sábado, 11 de janeiro de 2014

Arrancada da beleza

Domingão (dia 12) é dia de Globo de Ouro, a festa da Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira de Hollywood, outrora encarado como prévia mais valiosa dos resultados do Oscar. Avaliando-se os concorrentes ao prêmio de melhor filme estrangeiro não se verifica a presença de uma produção made in Brazil, apesar de todo o afeto que a Federação Internacional de Críticos de Cinema, a Fipresci, nutre pelos longas-metragens pernambucanos "O som ao redor", de Kléber Mendonça Filho, e "Tatuagem", de Hilton Lacerda. Apesar da lacuna nacional, há entre os indicados um competidor que faz hoje enorme sucesso de pública e crítica nesta terra brasilis: o italiano "A grande beleza" ("La grande bellezza"), de Paolo Sorrentino.



 Por aqui, sua bilheteria beira 40 mil pagantes, o que impõe respeito diante da atual contingência do parque exibidor de atrações alternativas (leia-se de baixo orçamento e alta cobiça estética) nesta pátria. Frente à importância que a Itália teve (e tem, se soubermos garimpar bem) na formação da cinefilia de todos nós (que nos amávamos tanto), este blog tem como ponto de partida a luz de Sorrentino.

Seus olhos, neste domingo, estarão voltados para a premiação hollywoodiana, mas, a visita do italiano aos EUA vai coincidir com suas negociações para dirigir o longa "In the future", com Michael Caine. Trata-se de um drama sobre um septuagenário em luta para alcançar alguma harmonia afetiva diante das limitações físicas impostas por sua saúde debilitada. Mas, até lá, resta aos fãs de Sorrentino refletir sobre questões como arte contemporânea.



Monumental exercício de reflexão sobre a crise simbólica de uma nação, o mais recente trabalho de Paolo Sorrentino reafirma sua excelência como diretor, antes aclamada por "Il Divo", em 2008, e "Aqui é o meu lugar", de 2011. Já está em montagem o segmento do longa-metragem em episódios “Rio, eu te amo” rodado em setembro em Grumari pelo cineasta napolitano, considerado o maior expoente do Risorgimento.

O termo se refere à onda autoral que vem salvando o (outrora majestoso) cinema italiano da decadência a partir de narrativas não convencionais feitas por uma novíssima geração de diretores na faixa dos 40 anos. Ícone dessa nova estética em sua pátria, Sorrentino está cotado para concorrer ao Oscar com a produção de € 8 milhões. Indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, o longa é uma comédia dramática sobre a falência moral de Roma e foi foi ovacionada em Cannes, em maio, quando disputou a Palma de Ouro. Desde então, ela vem recebendo recepção igualmente calorosa dos cariocas.

— Não tenho interesse em copiar Fellini. Não quero ser outro que não eu, Paolo. Quero falar do meu mundo, da minha Itália, e não da Itália de outros, dos colegas do passado. Não restam dúvidas de que a Itália teve um passado cinematográfico glorioso, com grandes gênios da criação. Mas essa grandiosidade alimenta um certo preconceito contra nós, das novas gerações de diretores italianos, sempre patrulhados pela cobrança de que jamais faremos algo à altura da tradição — lamenta Sorrentino, hoje com 43 anos, em entrevista por telefone ao COMPADRE CINEMA.

 — Eu filmo para quebrar com essa visão ressentida e  preconceituosa. Até porque o cinema, na Itália e fora dela, não é mais um parque para mestres que criam uma trajetória genial de obras-primas em série. O cinema mundial hoje vive de momentos de brilhantismo. De um grande filme aqui e outro acolá. E é difícil exigir uma linha produtiva serial de qualquer um de nós. 




Com a experiência de ter filmado nos EUA, com Sean Penn, o drama “Aqui é o meu lugar", Sorrentino rodou sua porção em “Rio, eu te amo” tendo a inglesa Emily Mortimer (a produtora MacKenzie McHale da série “The Newsroom”) como protagonista. Na trama rodada pelo italiano para o longa — que conta ainda com a libanesa Nadine Labaki e o sul-coreano Im Sang-soo em seu time de realizadores estrangeiros —, um casal de turistas (Emily e o americano Basil Hoffman) entra em crise no Brasil.

— É um olhar de dois amantes estrangeiros em férias no Rio e das consequências que eles sofrem pelas escolhas dessa relação — explica o diretor, que viu seu “A grande beleza” ser definido em Cannes como uma releitura contemporânea de “A doce vida” (1960), de Federico Fellini. — Eu respeito a comparação, mas eu me preocupei mais em fazer um filme sintonizado ao presente da Itália do que a referências.


Geração à cata de nova estética.


Visto por um milhão de pagantes na Itália, onde dividiu a crítica por seu excesso de erotismo e de virtuosismo na fotografia e na direção de arte, “A grande beleza” surgiu como uma reação de Sorrentino à crise econômica europeia. Na trama, centrada em Roma, o jornalista Jep Gambardella (vivido por Toni Servillo, o maior ator do teatro italiano há duas décadas), que, na juventude, publicou um romance considerado um marco literário, chega aos 65 anos, escrevendo reportagens sobre a nova realidade cultural de sua nação. Com o peso da idade e do tédio, Gambardella embarca em uma jornada existencial atrás da grandiosidade romana.

— O título do filme evidencia a minha necessidade de encontrar o que ainda existe de belo mesmo nas ações mais vulgares que a civilização italiana pratica dia a dia. A relação com a crise não se dá como um gesto irônico, e sim como um convite à reflexão para o fato de que, frente aos apuros econômicos, a Itália busca refúgio em pequenas distrações, em festas, em excessos — diz Sorrentino.

— Só lamento que o cinema não seja uma dessas fugas, pois o público do nosso cinema diminuiu muito. Há uma nova geração de diretores como Matteo Garrone, Saverio Costanzo, Emanuele Crialese e eu lutando para dar uma nova contribuição às telas italianas. Mas não é fácil - diz o diretor.

Cá entre nós: já vi o filme quatro vezes. Mas vou emendar uma quinta estes dias, pois o trabalho de Sorrentino é digno de estudo. 

p.s.: Falando dos grandes cineastas italianos da atualidade, Daniele Luchetti ("Meu irmão é filho único") tem um filme zero bala para estrear por aqui. Chama-se "Anni felici" e aborda as reviravoltas na vida de um narcisista (Kim Rossi Stuart) às voltas com o adultério de sua mulher.  


Um comentário:

  1. Sem dúvida “A grande beleza” pode ser visto com prazer mais de uma vez.
    Uma pena não se notar uma grande frequência na sala de exibição.

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