segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Tropa de Elite 2 - Caveira de Padilha eleva a temperatura da 'Tela Quente'



Visto por 11,2 milhões de pagantes nas salas de exibição, consolidando-se como a bilheteria nº1 do cinema nacional de 1970 até hoje, “Tropa de elite 2 – O inimigo agora é outra”, de José Padilha, será exibido hoje, com pompa e luxo, pela “Tela Quente”, às 23h, na Rede Globo. Uma vez que Padilha está a um passo de lançar seu “RoboCop” (21 de fevereiro), vale apena conferir (uma vez mais) seu estilo e sua reflexão sobre atos violentos da Lei. Para isso, a figura criada por Wagner Moura no esforço de traduzir a obsessão por justiça da Polícia carioca tem um peso ímpar.

Água gelada é tudo o que existe no refrigerador do apartamento sempre pouco iluminado do tenente-coronel Beto Nascimento. Nos momentos de maior crise, ao "cair pra cima" (como ele diz), deixando de comandar o Bope para assumir a Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, o personagem imortalizado por Wagner Moura abre a geladeira, enche um copo e bebe.

Num gole só, como se deixasse o líquido frio atenuar a dor da alma. Dor que, no primeiro "Tropa de elite" (2007), muita gente (incluindo críticos e cronistas) se recusou a enxergar, cobrindo-o num manto fascista. Aqui, no segundo e mais complexo filme da franquia de maior retumbância social da história recente do cinema brasileiro, é mais difícil não perceber sua agonia. Há um filho adolescente que o repudia, um governador carreirista boicotando seus atos, e houve uma involução da Lei — aquela Lei platonicamente perfeita que ele aprendera a amar.

 Nascimento ficou mais seco, duro, com medo de perder, refletindo a instabilidade moral de uma cidade que viu o mal proliferar dentro da instituição responsável por resguardá-la: a Polícia Militar.



Em "Tropa de elite 2", Nascimento virou Cristo. Não o imolado na cruz, mas Christos Sartzetakis, jurista grego que inspirou o promotor encarnado por Jean-Louis Trintignant em "Z" (1969), de Costa-Gavras. Não é à toa que, numa sequência, lê-se o nome de "Z" na fachada do Estação Botafogo, onde a ex-mulher de Nascimento, Rosane (Maria Ribeiro), e o filho conferem uma mostra em tributo a Gavras, presidente do júri do Festival de Berlim no ano em que José Padilha ganhou o Urso de Ouro.

Como o Christos de Gavras, Nascimento vê a Justiça como uma cartilha cuja gramática opera pela lógica da ação e da reação: "errou" é igual a "pagou". Mas a sua lógica cartesiana agora se defronta com uma variável operacionalizada pela corrupção: o verbo "errar" gera, por inércia, a expressão "podemos dar um jeitinho? quanto é?", jargão das propinas tão cultivadas pelas milícias. É sobre elas que o novo longa de Padilha fala, sem pudor algum de ser violento.

E fala numa estrutura épica, ramificada em núcleos dramáticos que expandem os problemas de Nascimento. A trama se desenrola num intervalo de quatro anos, em que o Rio se torna um feudo miliciano. A máfia de Padilha veste uniforme azul e estampa no peito um distintivo.

É assim, de farda, que se apresenta o major Rocha, o Russo, um tira frasista ("Cada cachorro que lamba a sua caceta" vai virar bordão) e mau. Em seu jeitão Jece Valadão, o major é capaz de candidatar o ator Sandro Rocha ao posto de revelação do ano. Por pouco, não ofusca Wagner com suas tiradas maliciosas e seus atos de carrasco.





É Rocha quem deflagra a formação de uma aristocracia paralela no bairro de Tanque, sonhando expandir seus domínios pela Zona Oeste. Mas o roteiro de Bráulio Mantovani e de Padilha não o engessa como "vilão clássico". Ele é apenas a sequela de um descontrole armado da falta de ética das autoridades. É nelas que Padilha mira. Seu "Tropa 2", fotografado por Lula Carvalho, é mais um thriller político do que um favela movie.

Cristo Nascimento não é mocinho. É um anti-herói urbano lutando contra a passividade de um jogo de xadrez entre deputados. O único que se salva é Fraga, historiador e político inspirado no deputado Marcelo Freixo e vivido (com glórias) por Irandhir Santos.

Ele é o termômetro da resistência intelectual de um Rio que não quer se armar para se defender. Fraga compõe com Nascimento a dialética tão cobrada ao "Tropa 1". Se um é a força bruta a serviço da limpeza das ruas narcotizadas, o outro é o cérebro a serviço da razão. Entre eles, um abismo de afetos e ideologias, que Padilha aprofunda numa sequência tecnicamente mais requintada e frenética que sua matriz.

Uma vez mais, o diretor de "Ônibus 174" nos brinda com sua maior virtude narrativa: abordar um tema a partir de variados pontos de vista. Quando Nascimento culpa "os intelectuaizinhos de esquerda" por "amaciar" a situação do criminosos que se canibalizam, o cineasta põe seu cruzado justiceiro na berlinda, expondo seus preconceitos, sua ignorância, seu ódio.

Nessa exposição ele cria o incômodo necessário para que repensemos nossa carência por heróis e a incapacidade de ficcionalizá-los. O mundo aí fora, das milícias do Major Rocha, é desencantado demais para fazer ficção. Nem sob água gelada.


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