domingo, 12 de janeiro de 2014

Fio-terra com jeitinho dinamarquês

Galera, confiram:


Publiquei este texto no meu Face no Natal, mas seria bom voltar a ele.

Lançado no Brasil na última sexta-feira, “Ninfomaníaca” (“Nymphomaniac”) chega, via Escandinávia, confirmando a excelência do dinamarquês Lars von Trier como alguém capaz de fazer do ofício da direção um ato simbólico de perpétua transgressão. É uma tentação falar da estreante Stacy Martin, delícia que estrela 75% do filme como a versão jovem de Joe, personagem de Charlotte Gainsbourg. 

Mais tentação ainda seria arriscar que se trata, em termos de arquitetura narrativa, do trabalho mais maduro de Von Trier desde “Dogville” (2003), lembrando que ele goza de uma Palma de Ouro no currículo por “Dançando no escuro” (2000). E igualmente tentador é ficar descrevendo como seu roteiro opta por diálogos desdramatizados, que investem em um engenho cartesiano de causalidade (lembra até a radiofonia do gaúcho “Ilha das Flores”) ao descrever as relações afetivas, sexuais e os órgãos reprodutores. 
Mas fiquei besta com um zumzumzum de má vontade que ouvi contra o longa, após a sessão de imprensa dele no dia 23 de dezembro. O colegiado de críticas publicado neste fim de semana me assombrou too.   

Andaram me explicando ontem que não se deve escrever a palavra “boc...ta” (pussy) no Facebook para evitar censuras capazes de deletar ideias. Mas eu fiquei um tanto quanto cabreiro ao saber que um filme que faz uma ode à “boc...ta” (pussy) - como metáfora para o que existe de oco na condição existencial do Ocidente e para o Poder do corpo nestes tempos avessos à metafísica – possa ter despertado em parte da (dita) “inteligência” carioca um sentimento de tédio, de insatisfação, de monotonia. 

Se houvesse espaço para o bom humor neste mundo, eu diria que lá em Bonsucesso (minha terra natal), onde gosta-se (MUITO) de “boc...ta” (pussy), o filme agradou (e agradaria mais se houvesse uma sala de cinema para exibi-lo). Mas, como a ironia é malquista no seio da discussão cinéfila (USPianos me ensinaram isso), vamos aos fatos.

 Em agosto, ainda no GLOBO, fui procurado pela produtora do longa-metragem, a Zentropa, com a proposta de disponibilizar no site do jornal um clipe com imagens inéditas do filme, de um dos mais aguardados do ano, que prometia (como é costume de Von Trier) causar polêmica com cenas de sexo tórridas, incluindo astros como Shia LaBeouf e Christian Slater.

 O vídeo estará no site do filme. E seria o terceiro de uma série de oito, cada um referente a um segmento (ou capítulo, como definiu Von Trier) da produção de € 9 milhões, protagonizada por Charlotte Gainsbourg, que será lançada em duas partes, de duas horas cada. A primeira estreia na Dinamarca neste 25 de dezembro, dia de Natal, e só chega ao Brasil no dia 10 de janeiro, via Califórnia Filmes. Ambos os longas passaram pelo crivo da censura europeia. Estima-se que terão classificação para 18 anos. Mas o diretor prepara uma versão paralela, que pode ou não ir a circuito, ainda mais picante.

— Optamos por não lançá-lo em festivais. Como o filme fala da sexualidade de uma mulher, tema com condições de atrair as plateias, por que não usar a estratégia convencional de estrear direto em circuito? Com Lars, as regras podem ter alternativas — disse Louise Vesth, produtora de Von Trier desde 2005.



Amparado na estonteante fotografia do chileno quarentão Manuel Alberto Claro, “Nymphomaniac” é o primeiro longa do diretor desde a polêmica provocada por ele no Festival de Cannes de 2011. Von Trier foi considerado persona non grata pela direção do evento após ter dito que não aprovava o que Hitler fez na Segunda Guerra, mas entendia suas motivações, durante coletiva de imprensa de seu longa anterior, “Melancolia”.

 A declaração gerou associações com o nazismo e fez com que uma série de distribuidores em diferentes países se recusassem a lançar o filme. A produtora nega problemas, e não tirou do longa uma seqüência em que Joe faz troça com os conceitos de antissemitismo e sionismo.

— O episódio de Cannes não prejudicou “Nimfomaníaca” em nada. O prestígio de Lars manteve o interesse dos investidores e de atores famosos — afirmou Louise.

A fim de atiçar a curiosidade dos cinéfilos pelo projeto, no qual Charlotte interpreta Joe, mulher obcecada por sexo, Von Trier criou uma estratégia em que divulga mensalmente, em diferentes jornais do mundo, um trecho de cada um dos capítulos. Leia, ao final da reportagem, a reprodução de um pequeno fragmento do terceiro capítulo, “Mrs. H”, representado por uma foto da atriz Uma Thurman em um grito de pânico.  


Ela vive a Sra. H, uma das personagens que cruzam o caminho de Joe na narrativa que, segundo Louise, é construída a partir de uma série de digressões da protagonista (e do próprio cineasta), o que dá um peso similar a diferentes personagens.  A atuação de Uma beira o sublime.

Segundo Louise, a estratégia foi uma forma de ampliar o público de Von Trier, que viu “Melancolia” arrecadar US$ 15,9 milhões nas bilheterias de todo o planeta:
— Em geral, Lars faz segredo quase absoluto das imagens de seus filmes. Mas tentamos algo novo, usando as ferramentas da internet para chegar a um novo público. Por isso, era importante tentar tornar “Ninfomaníaca” mais conhecido.

Leia um pequeno fragmento do terceiro capítulo, “Mrs. H” (veja o texto original aqui):
CAPÍTULO 3: MRS. H
Manter o controle sobre uma larga rede de amantes nem sempre é fácil, e Joe é logo confrontada com as consequências desagradáveis de ser uma ninfomaníaca. Afinal de contas, você não pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos.


E, por favor, gostando ou não de Von Trier, tire SUAS PRÓPRIAS conclusões só DEPOIS de VER o filme, desde já um dos mais inquietantes.


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