Primeiro sucesso
audiovisual da TV brasileira em 2014, a minissérie “Amores roubados”, em cartaz
até sexta-feira na Rede Globo, contou com a astúcia de um dos roteiristas mais
requisitados do país em seu script: George Moura. Seu nome ganhou notoriedade
no cinema graças ao êxito internacional de “Linha de passe”, de Daniela Thomas
e Walter Salles, premiado em Cannes em 2008. Trabalhou ainda no documentário “Moro
no Brasil” e na ficção ainda inédita “Getúlio”, de João Jardim. Entre 2007 e
2011, roteirizou também diversos episódios da série musical “Por toda a minha
vida”, pela qual recebeu seis indicações consecutivas ao Emmy International. Na
televisão, escreveu ainda “O canto da sereia” (2013). No seriado atual, ele
ajudou a dar verossimilhança ao personagem de Cauã Reymond, um enólogo acossado
pela Morte por culpa de suas paixões clandestinas. No projeto, Moura trabalhou
com o diretor José Luiz Villamarim (“Avenida Brasil”) e com o fotógrafo Walter
Carvalho, realizador de “Budapeste” (2009). Nesta entrevista, Moura explica seu processo
de escrita, comenta como construiu a trama de "Amores...' a partir de um diálogo com o livro "A emparedada da rua nova", de Carneiro Vilela, e fala de seus planos para a arte cinematográfica até o fim do ano.
De que maneira uma
série como "Amores roubados", com sua boa repercussão de crítica e
público, sinaliza uma mudança de paradigma em relação ao sexo e à violência na
TV nacional?
GEORGE
MOURA - Não sei se chegamos ao ponto de provocar uma mudança de paradigma, mas,
de fato, todas as pessoas que comentaram comigo e com outros que fizeram parte
da equipe, ficaram encantadas com o frescor de "Amores roubados". O
maior exemplo dessa perplexidade gerada pela minissérie, veio de uma pessoa que
disse, para mim, uma frase emblemática em forma de pergunta: "vocês usam
outra câmera, mais moderna, e fazem de outro jeito ‘Amores roubados’, não
é?" E eu perguntei: "Por quê?" A pessoa disse: "É porque é
totalmente diferente de tudo o que está no ar e já foi feito na TV". Achei
o comentário sintomático. Um leigo que ao ver a minissérie no ar, tenta
identificar em um recurso técnico, uma escolha estética. A câmera é a mesma. O
que muda é a vontade e o rigor na escrita de cena. Escrita essa que está no
roteiro e para muito além do roteiro.
Como se deu o seu
diálogo com a prosa de "A Emparedada da Rua Nova" e de que forma o
texto levado às telas joga com a realidade de Petrolina dos dias atuais?
GEORGE
MOURA - O diálogo com o original foi uma jornada difícil, fascinante e
desafiadora. O que temos de atual naquele folhetim de 1909 é a argúcia com que
o Carneiro Vilela trata as paixões humanas. Essas paixões são muito parecidas
há milhões de anos. O que existe de antigo na trama são os mecanismos e as
imposições morais da época. Por exemplo, no original, uma cantada do Don Juan
vinha por uma carta, na adaptação ela vai por um torpedo de celular. Mas isso
são detalhes... O que é preservado e ressignificado é que, seja por carta ou
torpedo, o ímpeto do desejo é preservado e impossível de ser contido. O mais
complexo nesse processo de transposição, ou melhor, de recriação é encontrar as
equivalências dramáticas do século XIX com o XXI. E a ideia de levar a trama
original, que se passa na cidade do Recife, para o sertão de Pernambuco, se deu
por isto. O sertão contemporâneo onde se passa “Amores roubados” é um nordeste
que se modernizou, mas preserva ainda arraigados conceitos arcaicos de honra e
moral. É uma geografia física e humana perfeita para esta saga, para esta ópera
seca.
Quais são os seus
compromissos com o cinema este ano e de que forma a sua prática no ofício da
teledramatutgia te municiam com outros recursos para escrever filmes?
GEORGE
MOURA - Este ano vai se lançado um filme
dirigido por João Jardim, "Getúlio", com Tony Ramos, que conta a
história dos últimos 19 dias da vida do então presidente. É um belo filme
intimista sobre as entranhas e a solidão do poder. Também, no segundo semestre,
será rodado o novo filme do Cacá Digues, "O Grande Circo Mísitico",
baseado no poema de Jorge de Lima. Não tem relação direta com o espetáculo de
dança criado por Naum Alves de Souza, nem com as lindas canções e o disco de
Chico Buarque e Edu Lobo. É um filme sobre uma família que vive do circo, numa
trajetória de esplendor, catástrofe e renascimento. Acho
que o exercício diário da escrita para TV deixa você com treino e fôlego para
as narrativas. Mas é preciso ficar atento e ver que TV e cinema podem ter suas
diferenças na gramática da escrita; embora estejam cada vez mais parecidas.
Quais (ainda) são as
principais fragilidades da dramaturgia no cinema brasileiro? O que pode mudar?
GEORGE
MOURA - Quem sou eu para apontar as fragilidades do cinema brasileiro... A
única coisa que eu poderia dizer é que como espectador fico muito triste de ver
filmes que fazem milhões em bilheteria e quando vou assistí-los, vejo que são
muito mal realizados em todos os sentidos: roteiro, direção, atuação etc. E me
pergunto: será que quem vê esses filmes percebe isto? Ou é apenas um
preciosismo de quem vive do ofício? Não sei... Mas acho que falta ao cinema
brasileiro rigor no fazer.
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