terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Amores Roubados - Entrevista com George Moura


Primeiro sucesso audiovisual da TV brasileira em 2014, a minissérie “Amores roubados”, em cartaz até sexta-feira na Rede Globo, contou com a astúcia de um dos roteiristas mais requisitados do país em seu script: George Moura. Seu nome ganhou notoriedade no cinema graças ao êxito internacional de “Linha de passe”, de Daniela Thomas e Walter Salles, premiado em Cannes em 2008. Trabalhou ainda no documentário “Moro no Brasil” e na ficção ainda inédita “Getúlio”, de João Jardim. Entre 2007 e 2011, roteirizou também diversos episódios da série musical “Por toda a minha vida”, pela qual recebeu seis indicações consecutivas ao Emmy International. Na televisão, escreveu ainda “O canto da sereia” (2013). No seriado atual, ele ajudou a dar verossimilhança ao personagem de Cauã Reymond, um enólogo acossado pela Morte por culpa de suas paixões clandestinas. No projeto, Moura trabalhou com o diretor José Luiz Villamarim (“Avenida Brasil”) e com o fotógrafo Walter Carvalho, realizador de “Budapeste” (2009).  Nesta entrevista, Moura explica seu processo de escrita, comenta como construiu a trama de "Amores...' a partir de um diálogo com o livro "A emparedada da rua nova", de Carneiro Vilela, e fala de seus planos para a arte cinematográfica até o fim do ano.


De que maneira uma série como "Amores roubados", com sua boa repercussão de crítica e público, sinaliza uma mudança de paradigma em relação ao sexo e à violência na TV nacional?

GEORGE MOURA - Não sei se chegamos ao ponto de provocar uma mudança de paradigma, mas, de fato, todas as pessoas que comentaram comigo e com outros que fizeram parte da equipe, ficaram encantadas com o frescor de "Amores roubados". O maior exemplo dessa perplexidade gerada pela minissérie, veio de uma pessoa que disse, para mim, uma frase emblemática em forma de pergunta: "vocês usam outra câmera, mais moderna, e fazem de outro jeito ‘Amores roubados’, não é?" E eu perguntei: "Por quê?" A pessoa disse: "É porque é totalmente diferente de tudo o que está no ar e já foi feito na TV". Achei o comentário sintomático. Um leigo que ao ver a minissérie no ar, tenta identificar em um recurso técnico, uma escolha estética. A câmera é a mesma. O que muda é a vontade e o rigor na escrita de cena. Escrita essa que está no roteiro e para muito além do roteiro.





Como se deu o seu diálogo com a prosa de "A Emparedada da Rua Nova" e de que forma o texto levado às telas joga com a realidade de Petrolina dos dias atuais?

GEORGE MOURA - O diálogo com o original foi uma jornada difícil, fascinante e desafiadora. O que temos de atual naquele folhetim de 1909 é a argúcia com que o Carneiro Vilela trata as paixões humanas. Essas paixões são muito parecidas há milhões de anos. O que existe de antigo na trama são os mecanismos e as imposições morais da época. Por exemplo, no original, uma cantada do Don Juan vinha por uma carta, na adaptação ela vai por um torpedo de celular. Mas isso são detalhes... O que é preservado e ressignificado é que, seja por carta ou torpedo, o ímpeto do desejo é preservado e impossível de ser contido. O mais complexo nesse processo de transposição, ou melhor, de recriação é encontrar as equivalências dramáticas do século XIX com o XXI. E a ideia de levar a trama original, que se passa na cidade do Recife, para o sertão de Pernambuco, se deu por isto. O sertão contemporâneo onde se passa “Amores roubados” é um nordeste que se modernizou, mas preserva ainda arraigados conceitos arcaicos de honra e moral. É uma geografia física e humana perfeita para esta saga, para esta ópera seca.


Quais são os seus compromissos com o cinema este ano e de que forma a sua prática no ofício da teledramatutgia te municiam com outros recursos para escrever filmes?

GEORGE MOURA - Este ano  vai se lançado um filme dirigido por João Jardim, "Getúlio", com Tony Ramos, que conta a história dos últimos 19 dias da vida do então presidente. É um belo filme intimista sobre as entranhas e a solidão do poder. Também, no segundo semestre, será rodado o novo filme do Cacá Digues, "O Grande Circo Mísitico", baseado no poema de Jorge de Lima. Não tem relação direta com o espetáculo de dança criado por Naum Alves de Souza, nem com as lindas canções e o disco de Chico Buarque e Edu Lobo. É um filme sobre uma família que vive do circo, numa trajetória de esplendor, catástrofe e renascimento. Acho que o exercício diário da escrita para TV deixa você com treino e fôlego para as narrativas. Mas é preciso ficar atento e ver que TV e cinema podem ter suas diferenças na gramática da escrita; embora estejam cada vez mais parecidas.


Quais (ainda) são as principais fragilidades da dramaturgia no cinema brasileiro? O que pode mudar?

GEORGE MOURA - Quem sou eu para apontar as fragilidades do cinema brasileiro... A única coisa que eu poderia dizer é que como espectador fico muito triste de ver filmes que fazem milhões em bilheteria e quando vou assistí-los, vejo que são muito mal realizados em todos os sentidos: roteiro, direção, atuação etc. E me pergunto: será que quem vê esses filmes percebe isto? Ou é apenas um preciosismo de quem vive do ofício? Não sei... Mas acho que falta ao cinema brasileiro rigor no fazer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário