domingo, 12 de janeiro de 2014

Uma odisseia na incerteza - Alfonso Cuarón leva o Globo de Ouro de melhor diretor


Cronista da esterilidade, seja afetiva (caso de “E sua mãe também”) ou utópica (“Filhos da esperança”), o cineasta mexicano Alfonso Cuarón impôs a si mesmo o desafio de reduzir o fôlego de seus espectadores até o limite da tolerância física em “Gravidade” (“Gravity”). A produção conquistou o Globo de Ouro de melhor direção. Sua tentação primeira é redefinir o uso do 3-D como uma ferramenta de imersão, pondo os nervos da audiência à mesma prova a que seriam submetidos em uma corrida de montanha-russa. Mas há mais ambição na forma e na dramaturgia do que congelar estômagos.

Embora seja definida como ficção científica, por sua ambientação estelar semelhante a clássicos do gênero como o kubrickiano “2001 — Uma odisseia no espaço” (1968), a produção de US$ 100 milhões está mais próxima da gramática da aventura. Com um faturamento estimado em cerca de US$ 96 milhões, arrecadados em cinco dias em cartaz nos EUA e na Europa, o longa-metragem dialoga melhor com fantasias aeróbicas como “Viagem fantástica” (1966), de Richard Fleischer, ou “Viagem ao centro da Terra” (1959), de Henry Levin, do que com o ceticismo do filão sci-fi.

Assim como os longas de Fleischer e Levin, a premissa de Cuarón parece rasteira, servindo como mera desculpa para um desfile de situações de perigo dignas de um simulador de voo, amplificado pela beleza plástica da fotografia de Emmanuel Lubezki (“A árvore da vida”). Na trama, uma astronauta saída de um trauma familiar, Ryan Stone (uma Sandra Bullock em estado de graça) tenta sobreviver a uma pane no sistema de sua nave com a ajuda de um colega de voo, o oficial Matt Kowalski (George Clooney, sempre iluminado).

A partir de um acidente, que põe sua tripulação às raias da morte, Ryan fica à deriva, incapaz de se comunicar com a Terra, à mercê da flutuação no cosmo. Uma sucessão de riscos desfila em cena, expondo a habilidade de Cuarón para brincar com o suspense a partir do que o vazio da ambientação espacial pode representar. Era fácil para o cineasta reduzir “Gravidade” ao virtuosismo de sua montagem, capaz de manter o frenesi ao longo de 90 minutos. Mas Cuarón trata o cinema de entretenimento com seriedade e sabe que até um fliperama em tela grande pode ter camadas de reflexão sobre a solidão humana. Uma vez nas lacunas do céu, o diretor usa Ryan (e o talento da Sra. Bullock) como um veículo para discutir a perseverança e o instinto de superação, fazendo da palavra um elemento coadjuvante para um espetáculo imagético.

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