Cronista da esterilidade, seja afetiva (caso de “E sua mãe
também”) ou utópica (“Filhos da esperança”), o cineasta mexicano Alfonso Cuarón
impôs a si mesmo o desafio de reduzir o fôlego de seus espectadores até o
limite da tolerância física em “Gravidade” (“Gravity”). A produção conquistou o
Globo de Ouro de melhor direção. Sua tentação primeira é redefinir o uso do 3-D
como uma ferramenta de imersão, pondo os nervos da audiência à mesma prova a
que seriam submetidos em uma corrida de montanha-russa. Mas há mais ambição na
forma e na dramaturgia do que congelar estômagos.
Embora seja definida como ficção científica, por sua
ambientação estelar semelhante a clássicos do gênero como o kubrickiano “2001 —
Uma odisseia no espaço” (1968), a produção de US$ 100 milhões está mais próxima
da gramática da aventura. Com um faturamento estimado em cerca de US$ 96
milhões, arrecadados em cinco dias em cartaz nos EUA e na Europa, o
longa-metragem dialoga melhor com fantasias aeróbicas como “Viagem fantástica”
(1966), de Richard Fleischer, ou “Viagem ao centro da Terra” (1959), de Henry
Levin, do que com o ceticismo do filão sci-fi.
Assim como os longas de Fleischer e Levin, a premissa de
Cuarón parece rasteira, servindo como mera desculpa para um desfile de
situações de perigo dignas de um simulador de voo, amplificado pela beleza
plástica da fotografia de Emmanuel Lubezki (“A árvore da vida”). Na trama, uma
astronauta saída de um trauma familiar, Ryan Stone (uma Sandra Bullock em
estado de graça) tenta sobreviver a uma pane no sistema de sua nave com a ajuda
de um colega de voo, o oficial Matt Kowalski (George Clooney, sempre
iluminado).
A partir de um acidente, que põe sua tripulação às raias da
morte, Ryan fica à deriva, incapaz de se comunicar com a Terra, à mercê da
flutuação no cosmo. Uma sucessão de riscos desfila em cena, expondo a
habilidade de Cuarón para brincar com o suspense a partir do que o vazio da
ambientação espacial pode representar. Era fácil para o cineasta reduzir
“Gravidade” ao virtuosismo de sua montagem, capaz de manter o frenesi ao longo
de 90 minutos. Mas Cuarón trata o cinema de entretenimento com seriedade e sabe
que até um fliperama em tela grande pode ter camadas de reflexão sobre a
solidão humana. Uma vez nas lacunas do céu, o diretor usa Ryan (e o talento da
Sra. Bullock) como um veículo para discutir a perseverança e o instinto de
superação, fazendo da palavra um elemento coadjuvante para um espetáculo
imagético.
Espetáculo é isso! A benção, padrinho.
ResponderExcluir