terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Wes nunca é o bastante


Enquanto o público brasileiro saliva diante da hipótese de ver “The Grand Hotel Budapest” para conferir os novos delírios fabulares de Wes Anderson, matamos a fome de sua obra com uma pepita em curta-metragem disponibilizada pelo mesmo no mundo digital: "Hotel Chevalier" (2007).  

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Um presente sobrenatural de Marco Dutra


Voz solitária da autoralidade audiovisual brasileira em um circuito infestado por candidatos a blockbuster, “Quando eu era vivo”, de Marco Dutra, instala-se nas telas, em um período tomado por candidatos ao Oscar, diferenciado por seu investimento na cartilha dos filmes de gênero. Com ele, o público tem a chance de provar da receita do terror a partir de um tempero nacional. É o que dá uma distinção de arrancada ao segundo longa-metragem do realizador (em parceria com Juliana Rojas) de “Trabalhar cansa” (2011). Ainda no plano das aparências, do contato mais superficial, vem a surpresa de se encontrar um Antonio Fagundes disforme, de cabeça mal raspada e pelancas caídas pelo rosto, sempre portando pequenos halteres de ginástica nas mãos.

Igualmente surpreendente é a presença de Sandy Leah num projeto assim, de horror, com dinâmica similar a dos clássicos sombrios de Roman Polanski, sobretudo “O inquilino” (1976). Entre eles, domando um cabo de guerra entre a truculência paterna e a doçura de uma jovem à flor do desejo, vem um dos maiores atores que o cinema desta pátria ajudou a popularizar: Marat Descartes, aqui no apogeu de suas virtudes cênicas.

Mas isso tudo é só a casca. Por baixo dela vem um romance, “A arte de produzir efeito sem causa”, escrito pelo mestre supremo do quadrinho nacional, Lourenço Mutarelli, a quem Marco Dutra confiou uma especialíssima participação. Do livro, vieram o carinho disfarçado da tensão de um amor entre pai e filho e um clima de mistério conectado aos estudos da demonologia como prática de fé. O que vem além daí – e grafe o Além assim, com “A” -, parte da imaginação de Dutra e da roteirista Gabriela Amaral Almeida, diretora do premiado curta-metragem “A mão que afaga” (2012). Com um molho extra: a fotografia de Ivo Lopes Araújo, o esteta visual da novíssima geração.



Marat é Júnior, perdedor nato que, após ser abandonado pela mulher e perder a guarda do filho, volta à casa do pai (Fagundes) em busca de um teto e de segurança afetiva. Há um impasse entre eles, indisfarçável aos olhos de Bruna (Sandy), estudante de música que aluga um quarto na casa do personagem de Fagundes, hoje um viúvo aposentado. O mal-estar entre os dois tangencia os infortúnios recentes de Júnior, mas origina-se na morte da mãe deste, interpretada por Helena Albergaria, atriz-assinatura de Dutra.

Ela aqui paira como uma presença espectral, alimentando um complexo de Édipo satânico, que joga filho contra pai, sob a fricção de uma força diabólica. Esta só fica clara quando Júnior reencontra seu irmão, Pedro (Kiko Bertholini, numa atuação curta mas devastadora), esquizofrênico assolado por assombrações. O encontro entre os dois é antecedido por uma ciranda de esquisitices domésticas nas qual Júnior, segundo após segundo, perde sua lucidez, assolado por um sentimento de paranoia.

Tudo é verossímil, tudo é realismo, tudo é mundano, até um clique, até o encontro dos irmãos. Daí pra frente, o filme cai nas mãos do Demônio, Marat modula sua voz numa serenidade perturbadora e Fagundes lança mão de todos os seus dotes interpretativos para traduzir a falência de um pai diante da loucura filial e da onipresença fantasma de uma mulher defunta cuja morte lhe caiu como uma bênção.

Comparações com “O iluminado” (1981) são óbvias por conta do visual descabelado e salivante de Marat como Júnior. Mas o diálogo da narrativa é maior com o terror europeu dos anos 1960/70, a partir da obra de diretores como Georges Franju (“Os olhos sem rosto”) e Dario Argento (“O gato de nove caudas”), revisitados a partir de um formato brasileiríssimo. Trata-se do primeiro grande filme nacional de 2014. Que venham mais.

  

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Descanse em paz, Coutinho


Segue aqui uma memória jornalística do ano de 2005, publicada no Segundo Caderno de O GLOBO, a fim de prestar tributo ao pontífice do documentário brasileiro, Eduardo Coutinho. Que ele descanse em paz.


 

Durante o Festival de Tiradentes (MG), de 2003, que o homenageou, o senhor disse nutrir a vontade de fazer um filme em que pessoas cantassem músicas de Roberto Carlos. Esse projeto existe?

EDUARDO COUTINHO: Nos meus filmes, adoro ter pessoas que têm uma relação com a música, que cantam. Gostaria de fazer um filme só com pessoas que lembram emocionalmente de fatos a partir das músicas de Roberto Carlos. Seria extraordinário, independentemente da discussão de que Roberto é brega. Ele atravessa a História do país.

Essa ideia sai do papel?

COUTINHO: Não. Seria muito complicado em função da autorização, dos direitos autorais. Fora que esse filme não teria limite espacial, uma vez que uma figura como ele percorre todo o Brasil. Quando eu fiz "ABC do amor" (co-produção entre Brasil, Chile e Argentina, feita em 1966, em três episódios, na qual Coutinho assina "O pacto" )... Bom, eu nem gosto de falar das minhas ficções, mas... vai lá... Nesse filme, tem uma cena em que se ouve "Que tudo mais vá pro inferno". Naquele tempo podia. Além dessa, tem a Wanderléa cantando uma música extraordinária, chamada "Ingratidão", e há aqueles... Como era o nome? Os Golden Boys. Os Golden Boys cantavam "Alguém na multidão". E não era algo brega.

O senhor gosta do Rei?

COUTINHO: Na época, gostava. Nos últimos anos, é mais complicado, né? Mas até 70 e poucos...

Em "Peões", o senhor entrevistou operários que participaram dos comícios de Luiz Inácio Lula da Silva no fim dos anos 70 e início da década de 80. Procurou até ex-colegas do presidente. Hoje, após uma série de escândalos de corrupção contra o governo PT, registrados do Mensalão para cá, o que os "peões" de seu filme têm a dizer sobre Lula?

COUTINHO: Também tenho curiosidade de saber. Ouvi dizer que o "Estado de São Paulo" mandou um repórter para São Bernardo ouvir as pessoas que falaram comigo. Se fizeram direito, não sei, mas acho que esse é um papel para o jornalismo. Não gosto de voltar ao "local do crime". Voltei no "Cabra..." porque tinha de terminar o filme. Já voltar ao "Babilônia", ao "Master"... Isso, não. Para o jornalismo, isso faz sentido. Para o cinema que faço, não. Eles não vão me dar depoimentos sobre o que viveram da mesma forma. Vão me dar dados, dizer se se desiludiram. Acho que as pessoas mais próximas ao sindicato devem continuar acreditando.

Por que não gosta de falar das ficções que fez?

COUTINHO: Porque elas passaram. Foi uma boa escola. Não me arrependo de ter feito nenhuma delas. Fiz dois longas ("O homem que comprou o mundo", de 1969, e "Faustão", de 1971) e um média ("O pacto") e foram todos mais ou menos obscuros. Escrevi roteiros pros outros nos anos 70 (inclusive o de "Dona Flor e seus dois maridos", o segundo maior sucesso de bilheteria nacional). Mas foi bom como experiência. Experiência de dramaturgia, de dirigir atores. O fato de lidar com a direção de atores ajuda no documentário. Ajuda a evitar aquilo que se faz quando se dirige um ator: os problemas de colocar a pessoa no lugar certo, ver a posição dela em relação à luz, enfim, todas as vantagens e limitações da ficção. Com personagens reais, a coisa é mais bruta. Se ele está sentado, tenho de fazer a conversa ali, onde ele está sentado.

 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Diabruras de João Miguel na telinha e na lente de um 'olho mecânico'



Colecionador de prêmios nos mais variados eventos de cinema no país, o baiano João Miguel ganha a partir de hoje, com a estreia de “A teia”, na Rede Globo, após o “BBB”, a chance de redesenhar sua carreira audiovisual na trilha da televisão. A série escrita por Bráulio Mantovani pode fazer de João, na pele do policial federal Jorge Macedo, um herói da teledramaturgia nacional como raras vezes se viu. Um herói de dilemas e retidão na luta para debelar um esquema de crime e corrupção. Ao mesmo tempo em que depura sua imagem na telinha, ele brilha em solo holandês no Festival de Roterdã à frente do longa-metragem “Periscópio”, de Kiko Goifman, onde tem exibições nesta terça e nesta quinta, levando experimentação narrativa brasileira ao exterior.


Lançado no Festival do Rio, em outubro, onde foi injustiçado pela crítica e pelo júri, sem ganhar láureas à altura de sua engenhosidade narrativa, “Periscópio” é uma alegoria sobre paranoias urbanas, solidão e o medo do outro.





Há uma hipótese de que o mundo onde vivem Élvio e Eric, dois solitários profissionais interpretados pelo ator João Miguel e pelo ensaísta Jean-Claude Bernardet no longa, esteja com os dias contados. Suspeita-se de que tudo ao redor do apartamento onde a dupla vive, confinada numa relação controversa de dependência, desconfiança e repulsa, está destruído. Mas quando um olho mecânico, saído do nada, rasga o chão do lar onde a dupla vive, sem explicação aparente, uma transformação se instaura nos personagens da produção de R$ 1,4 milhão dirigida por Goifman. No filme, o “olho-máquina” vem dar uma espiadinha em duas vidas assoladas pelo marasmo. Mas, diante de um olhar alheio, robótico, elas vão às raias de um tipo de anarquia chamado... felicidade.

— Mais do que a acomodação e a inércia, o maior mal da contemporaneidade é a sonolência provocada pelas guerras, pelo isolamento. Aquela sensação que tira as pessoas da ação. Mas em “Periscópio”, dois homens sonolentos despertam diante da esperança — avalia João Miguel, defendendo o filme de Goifman como algo além de uma metáfora sobre a histeria mundial em torno dos reality shows. E com razão...

 Periscópio” é uma reflexão sobre a alienação contemporânea, tendo em cena apenas dois sujeitos, uma cabra e um peixe chamado Jack. É uma reflexão produzida a partir do jogo cênico entre um dos atores mais requisitados do cinema nacional e um crítico de origem francesa que elegeu a cultura brasileira como objeto.

— Não trabalhamos uma significação prévia para a figura do periscópio. Encontrá-la é tarefa para os críticos, para o espectador. Trabalhamos com intuição diz Bernardet.

Entre o ator João e o crítico-ator Bernardet aparece Goifman, um documentarista premiado no exterior por filmes como “Olhe por mim de novo” (2011) e “Atos dos homens” (2006). Em “Periscópio”, ele dá um megulho na ficção após um ensaio entre a invenção e realidade com “FilmeFobia”, melhor filme do Festival de Brasília de 2008, também estrelado por Bernardet. O cineasta usou seu próprio apartamento, em São Paulo, como locação, deixando a diretora de arte Maíra Mesquita interferir no ambiente, filmado sob a direção de fotografia da cineasta Júlia Zákia.

— Existe sim uma relação com reality shows aqui. O cinema tem que estar atento a esse aspecto da vida contemporânea e observar esse cenário de super observação, por mais redundante que isso pareça. O periscópio é uma metáfora de uma câmera invasiva, com todos os paradoxos que ela representa — explica Goifman, mineiro de 44 anos que nasceu em Belo Horizonte e há 20 radicou-se em São Paulo, onde vive com a mulher, a também cineasta Cláudia Priscilla (“Leite e ferro”), e o filho, Pedro Andrade.



Na tela, referências a uma peça de Samuel Beckett (1906-1989), o texto “Fim de partida” (de 1957, também traduzido como “Jim de jogo”), norteiam a primeira parte do longa, com Eric (Bernardet) e Élvio (João) desiludidos em cena. A alusão a Beckett expressa-se na sugestão de um apocalipse nunca assumido (nem representado) de maneira realista, sugerindo uma tensão dentro de um espaço fechado. A sombra do autor de “Esperando Godot” aparece desde o argumento do filme, roteirizado por Bernardet e pelo cineasta.

— Kiko e eu não gostamos do naturalismo, nem do realismo. Consideramos os dois formas de opressão que diminuíram o leque expressivo do cinema brasileiro — diz Bernardet.

Depois que o “olho” ciborgue do título entra em cena, o conto “Casa tomada”, do argentino Julio Cortázar (1914-1984) vira um parâmetro para o paredão afetivo onde os protagonistas são encostados, em busca de novas estratégias de convivência.

— No filme, os personagens encenam, dançam para o periscópio, mas é sempre uma “farra precária”, apenas uma “alegriazinha”. Nada do glamour dos reality shows, pois no final existe um preço caro dessa ode à observação, desse amor que eles adquirem pelo olho maquinal que os observa — diz Goifman, que dialogou com filmes como “Janela indiscreta” (1954), de Alfred Hitchcock, “O inquilino” (1976), de Roman Polanski, e “O buraco” (1998), de Tsai Ming-Liang, na construção de sua narrativa.

Além de discussões existenciais, “Periscópio” toca em questões sociais do Brasil, no laço de vassalagem entre patrão e empregado estabelecido entre Eric e Élvio, cujo passado nunca é esclarecido.

— Na relação dos empregados que vivem nas casas de seus patrões existe uma confusão afetiva, uma area de exploração e dominação, que foi incorporada ao filme — diz Goifman, que confiou a trilha sonora a DJ Dolores.

Durante as filmagens, Goifman fez da liberdade criativa uma bandeira e concebeu uma sequência com João e Bernardet que chega a 12 minutos de puro improviso.

— Existe uma confusão que associa a este nosso método de trabalho uma imagem de loucura, de falta de seriedade, que é absurda. O cinema está tão domesticado, acostumado a equipes tão grandes e pesadas, que nada pode ser mudado no meio do caminho — diz Goifman. — Ter um bom roteiro e admiração por ele é importante, mas ele não pode ser um tipo de deus acima da experiência vivida no set.

 
p.s.: Segue inédito “Matraga”, de Vinícius Coimbra, longa ganhador do troféu Redentor de melhor filme no Festival do Rio de 2011 no qual João Miguel encarna o mítico senhor de terras pinçados da obra de Guimarães Rosa.  
 


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Um ensaio sobrenatural sobre a paternidade abre a Mostra de Tiradentes

Garimpado da literatura de Lourenço Mutarelli, "Quando eu era vivo", thriller de horror psicológico de Marco Dutra, vai abrir a 17ª Mostra de Tiradentes nesta sexta-feira. O evento mineiro, que inaugura o circuito anual dos festivais de cinema no Brasil, .tornou-se conhecido como um canteiro de experimentação narrativa. Justifica-se daí a presença de um exercício audiovisual com a grife de Dutra, realizador de "Trabalhar cansa" (2011) e a de Mutarelli, autor do romance "O cheiro do ralo", levado ás telas por Heitor Dhalia em 2006. De cara, pode-se apontar um avanço na tradição do evento - graças à curadoria sempre ousada de Cléber Eduardo -, por dar espaço, já em sua abertura, para um exercício de cinema de gênero, no caso, o terror. As trevas aqui são derivadas da prosa de Mutarelli em "A arte de produzir efeito sem causa". A sessão do longa-metragem, produzido por Rodrigo Teixeira e sua RT Features (braço brasileiro de "Frances Ha"), serve de tributo ao ator que protagoniza o projeto: Marat Descartes, um dos mais talentosos de sua geração. É Marat quem encarna um perdedor profissional que, de volta á casa paterna, convive com eventos sobrenaturais e uma mulher misteriosa (Sandy Leah). Nesta entrevista, Dutra explica como foi o processo de direção do filme. 

Como são as sombras que você encontrou no universo de trevas (e de humanidades) da obra de Lourenço Mutarelli? De que forma o livro te serviu como bússola para encontrar personagens?

MARCO DUTRA - Conheci a fundo a obra do Lourenço entre 2007 e 2008, quando trabalhei no roteiro da adaptação de um de seus quadrinhos para o cinema, num projeto que acabou não indo em frente. Foi um mergulho intenso, especialmente no que diz respeito aos primeiros livros “gráficos”: “Desgraçados”, “Transubstanciação”, “Eu te amo Lucimar”. “A Caixa de Areia” me marcou profundamente, e é até hoje um dos meus preferidos. Com os romances não foi diferente. Me parecia que o Lourenço encontrava mais detalhes e força na sua voz a cada livro publicado. “A arte de produzir efeito sem causa” tinha acabado de sair, e foi o romance que mais me tocou. É uma espécie de releitura sombria da parábola do filho pródigo, e a força da relação doente entre pai e filho retratada ali me perturbou. Todos temos as nossas questões e dilemas familiares. Carregamos essa bagagem conosco a vida toda. Eu e Gabriela Amaral Almeida, corroteirista, mergulhamos nesses sentimentos delicados e contraditórios para encontrar as vias da adaptação.


 De que maneira "Quando eu era vivo" se articula com o universo do horror e, de que maneira esse universo sombrio de gênero se articula com o cinema brasileiro atual?

O fantástico, no caso de “Quando eu era vivo”, nasce da percepção do protagonista - o filho - de que é preciso encontrar um caminho para dentro da alma do pai. O personagem - e, se tudo der certo, o espectador também - acaba se dando conta de que este caminho não está na realidade palpável. E nem pode estar, afinal estamos falando de memória, luto, fantasmas, mistérios não resolvidos deixados para trás. O horror que existe vem da subjetividade do filho, e encontra, portanto, suas razões dentro da narrativa. Não é um truque formal. O uso dos gêneros é muito saudável, porque diversifica e intensifica a produção. Nos meus anos de faculdade eu sentia certo receio e preconceito com esse tipo de abordagem, como se fosse algo mais infantil ou “estrangeiro”. Felizmente, essas noções parecem estar saindo de circulação. Temos um enorme arsenal de ferramentas para narrar, e nenhuma delas é patenteada por americanos, japoneses e europeus. Sinto que as novas gerações estão dispostas a mergulhar de cabeça no fantástico, no horror, no musical, na comédia, no melodrama. Temos apenas que cuidar para que nada disso vire apenas forma, e sim que tenha relação com o assunto, com o discurso.

 O que significa ter Marat Descartes, o muso de Tiradentes 2014 nas mãos, como ator? Como se dá a parceria de vocês?

Trabalhei com Marat em “Um Ramo” e em “Trabalhar Cansa”. É uma das minhas parcerias mais antigas, e deve continuar em próximos trabalhos. É um excelente ator, é claro, mas acima de tudo capaz de se despir por completo em nome das especificidades e necessidades de cada novo personagem.

Sua cara metade cinéfila é a cineasta Juliana Rojas, codiretora de "Trabalhar cansa". Juliana fica aonde nessa etapa de um filme solo? Que planos vocês têm juntos agora?


Juliana é montadora de “Quando eu era vivo”, assim como eu compus a trilha do novo filme dela, “Sinfonia da Necrópole”. Estamos próximos e juntos em praticamente todos os trabalhos, ainda que não compartilhemos a direção. Nosso próximo filme em parceria é “As Boas Maneiras”, uma fábula sobrenatural paulistana. Esperamos filmar ainda em 2014.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

É hora de 'Muita calma...' para esquentar o verão


Visto por cerca de 1,5 milhão de pagantes em 2010, “Muita calma nessa hora”, de Felipe Joffily, ganhou uma continuação que chega nesta sexta-feira às telas com a mesma fome de alta bilheteria do primeiro. Uma vez mais, o quarteto de meninas superpoderosas vivido por Gianne Albertoni, Andréia Horta, Fernanda Souza e Débora Lamm regressa à cata de aventuras românticas. O cenário agora é um show de rock no Rio de Janeiro. Confira o que Joffily, realizador do cult “Ódiquê?” (2004) e do blockbuster “E aí, comeu?” (2012), planejava para o projeto, cujo elenco traz ainda Bruno Mazzeo e Nelson Freitas.

 De que maneira a realidade jovem do Brasil é flagrada pelo teu novo filme, uma vez que seu cinema é uma crônica das inquietações das gerações de 30 e poucos anos?

Muito dessa observação no caso do “Muita calma...” é fruto desse meu olhar critico e inquieto também. E, principalmente, tem muito do Bruno Mazzeo. Talvez o que tenha nos aproximado tenha sido justamente essa identificação no interesse por essa geração. Sendo assim, acredito que esse flagra da vida jovem esteja nas pequenas coisas cotidianas, potencializadas pela lente de aumento da comédia e da nossa interpretação gráfica e arquetípica dos personagens. Tento manter sempre, apesar da caricatura, um certo realismo.

 Por que a opção de trocar a praia pelo show de rock?

A prioridade era o reencontro. Um reencontro entre as personagens e um reencontro entre todos nós, que, assim como aquelas meninas, após o primeiro filme, seguimos caminhos distintos. Mas, nós lembramos sempre do espirito daquela experiência vivida em Búzios há quatro anos. Depois, achamos que o Rio, como berço de todos nós, merecia ser o grande palco. O festival foi escolhido para ser um lugar onde tudo pudesse acontecer. Queria um lugar que resumisse todo tipo de gente e que criasse artifícios visuais e emocionais para uma trama divertida.

 O que você pode adiantar sobre Os Caras De Pau? Está rodado? É um filme para crianças?

"Os Caras de Pau" acaba de ser rodado e será uma aventura policial muito maluca para toda família. Amei fazer, descobri um humor genuíno e primitivo. Uma volta no tempo, uma comédia clássica.  

Cinzas de 'Nebraska' levam magia ao Oscar


Entre os concorrentes ao Oscar 2014 divulgados nesta quinta-feira, no páreo para brigar por uma estatueta no dia 2 de março, foi incluído “um filme mágico”. Essa foi a alcunha dada a "Nebraska", de Alexander Payne, no Festival de Cannes, onde, em maio do ano passado, fez sua estreia mundial, arrebatando o prêmio de melhor ator, dado a Bruce Dern. Ele está indicado ao prêmio da Academia de Artes e Cinematográficas de Hollywood, onde o longa-metragem, ainda sem data de estreia confirmada no Brasil, concorre também nas categorias filme, diretor, atriz coadjuvante (June Squibb), fotografia e roteiro original. Fazendo da simplicidade sua matéria-prima, a nova dramédia do diretor de "Os descendentes" (2011) tem a grandeza que um ganhador de estatuetas douradas precisa e deve ter. Sua exibição em Cannes comoveu os dois mil espectadores da maior sala do Palais de Festivals. Foi risada para todo lado, aplauso durante a projeção e fungadas de choro no final. Os oscarizados serão conhecidos no dia 2 de março.

- De uma certa forma, esta é uma jornada alma adentro pelo espírito americano, em seu momento de desilusão com os contratempos financeiros – explicou payne ao COMPADRE CINEMA na Croisette.

Filmado em preto e branco, com uma direção fotográfica deslumbrante de Phedon Papamichael, "Nebraska" é um road movie pontuado por piadas sobre a crise econômica dos EUA e o desemprego por ela causado. Na trama, escrita por Bob Nelson, o alcoólatra septuagenário Woody (Bruce Dern) recebe um cupom publicitário dizendo que ganhou US$ 1 milhão, que serão dele desde que ele vá a uma outra cidade buscar a grana. Para desespero de sua mulher Kate (June Squibb, numa atuação deliciosamente divertida), Woody sai pelas estradas andando bêbado como um gambá para ir atrás de seus prêmio. Eis que seu filho mais jovem David (Will Ford) entra na história e decide conduzir o pai numa viagem pelas estradas americanas. A cada parente ou amigo de Woody que entrava em cena, uma gargalhada corria por Cannes.

- Eu penso a comédia sempre em alusão ao que foi feito no gênero na era muda do cinema, quando o movimento dos atores era indispensável para transmitir uuma gag. O preto e branco nunca abandonou as experiências mais autorais da fotografia, nem do cinema, vide “Manhattan”, de Woody Allen, ou “Touro indomável”, de Scorsese – disse Payne, que trabalhou com a filha de Bruce, Laura Dern, em seu primeiro longa de sucesso, “Ruth em questão” (1996).   

Em “Nebraska”, Bruce Dern fala pouco mas atravessa todos os 110 minutos do filme com uma expressão quase caricata de assombro, que produz risos instantaneamente. E conforme a relação entre pai e filho vai se estreitando, os clichês da trama vão se enfraquecendo e a doçura vai reinando. Habilidoso na direção como poucos cineastas da comédia conetmporânea, Payne conduz sua narrativa preocupado em organizar sua linguagem cinematográfica com o máximo de clareza e realismo como no grande cinema americano nos anos 1970.