Corre hoje pelos bastidores do cinema a notícia de
que o Brasil vai disputar o Urso de Ouro com “Praia do Futuro”, do cearense
Karim Aïnouz, mas nem só do diretor cearense viverá a presença de medalhões nacionais
da direção no Festival de Berlim (6 a 16 de fevereiro). Foi escalado para a
seção Panorama do evento alemão o drama brasileiro “O homem das multidões”,
dobradinha entre o cineasta pernambucano Marcelo Gomes e o realizador e
videoartista mineiríssimo Cao Guimarães. Os dois foram premiados com o troféu
Redentor de melhor diretor no Festival do Rio 2013 pelo longa-metragem, que vai
desfilar também pela Mostra de Cinema de Tiradentes (24 de janeiro a 1º de
fevereiro).
Em sua primeira exibição pública aqui no país, no
Odeon, o cinema brasileiro aprendeu que misturar coentro com cachaça – ou seja,
combinar o melhor do audiovisual de Pernambuco com o blues etílico das artes
visuais de Minas Gerais – pode gerar uma
experiência de linguagem avessa a rotulações. Inspirada livremente em um conto
homônimo de Edgar Allan Poe, a produção rodada a quatro mãos pelos realizadores
de “Cinema, aspirinas e urubus” e “Andarilho” dispensou as dimensões
retangulares habituais da telona das salas de projeção do Brasil e optou por
uma janela quadrada, definida por Gomes como uma dimensão 3x3, numa “mistura
das estéticas do Instagram e de uma polaroide”.
- É uma combinação da solidão da era analógica com
a solidão digital, dos que estão integrados online – definiu Gomes à época. –
Este é um filme de silêncios emocionais.
“O homem das multidões” dá de presente às suas
plateias um ator do qual o cinema nacional pouco conhecia: Paulo André, mineiro
de Itabirito, integrante do Grupo Galpão de teatro. Embora tenha feito longas
como “Fronteira” (2008) e “Moscou” (2009), Paulo André despontou com o
efeito-surpresa de um desconhecido no papel de Juvenal, um condutor de trem em
Belo Horizonte cuja vida é velada pela invisibilidade e pelo anonimato.
Da casa para o trabalho, do trabalho para uma casa
povoada por uma geladeira onde só há garrafas d´água, Juvenal vive sob a
proteção do isolamento, sem amores, sem amigos ou bichos. Mas a presença cada
vez mais constante de sua supervisora, Margô (Sílvia Lourenço, de “Contra
todos”), vai abrindo sulcos em seu escudo afetivo. A princípio, tudo o que ela
quer dele é um padrinho para seu casamento com um homem a quem conheceu via
web. Mas, numa mecânica que lembra, de longe, o estudo etnopoético de mundo do
cinema do português Pedro Costa (“Juventude em marcha”), a relação de boas
maneiras e almoços silenciosos entre a chefe de setor e o funcionário mais
competente da linha férrea de BH evolui para a esfera inaudita do querer.
Desde o Festival do Rio, em outubro, os comentários
elogiosos ao filme só fazem crescer e muitos se concentram sobre a figura do
diretor de fotografia Ivo Lopes Araújo, responsável pela lapidação visual de “O
homem das multidões. Este, diferentemente dos demais longas de Gomes, não deixa
a emoção jorrar sem amarras.
- Aqui, o sentimentos são represados pela linguagem
muda dos gestos contidos – o que pode causar estranheza aos fãs do diretor,
nessa parceria com Cao.
Berlim e Tiradentes só tendem
a lucrar com o longa.
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